sábado, 2 de janeiro de 2010

Copenhaga começa agora!*


A Cimeira de Copenhaga sobre Alterações Climáticas (COP15) fracassou porque todos alimentámos expectativas demasiado altas. Até ao último dia, já depois do prazo previsto, ignorámos o balanço negativo dos últimos dois anos de negociações e, tal como o Presidente brasileiro Lula da Silva, no discurso de dia 18 de Dezembro, ainda acreditávamos no milagre de um acordo ambicioso, justo e vinculativo.

Sabíamos que os avisos estavam todos feitos pelos cientistas e pelas organizações não governamentais (ONG); e os apelos também, aos milhões, de todos os cantos do mundo. Até os jornalistas conseguiram unir-se numa iniciativa sem precedentes que colocou em 56 jornais de 44 países um editorial comum a exigir bons resultados em Copenhaga. “Se não nos juntarmos para tomar uma acção decisiva, as alterações climáticas irão devastar o nosso planeta”, lia-se nesses dias no jornal Público, que aderiu à iniciativa do inglês The Guardian.

Não precisámos de viver numa frágil ilha do Pacífico, como Tuvalu, para perceber que os perigos são evidentes e que enfrentamos o maior desafio colectivo de sempre. Os factos falam por si, lembrava esse editorial: “Onze dos últimos 14 anos foram os mais quentes desde que existem registos, a camada de gelo árctico está a derreter-se e os elevados preços do petróleo e dos alimentos no ano passado permitiram-nos ter uma antevisão de futuras catástrofes.”

Mas 12 dias em Copenhaga e cerca de 45 mil participantes registados, metade das ONG, não foram suficientes para encontrar a resposta que o Planeta precisa. A Cimeira terminou com um contrato político em vez de um acordo legalmente vinculativo. É certo que o documento e os discursos vinculam quem os assumiu, mas sabe a pouco. Faltam as metas até 2020 e 2050. Falta assumir que nós, países desenvolvidos, temos de alterar estilos de vida.

E falta justiça climática. Falta assumir definitivamente que “as responsabilidades são comuns mas diferenciadas”, como pediu o presidente brasileiro. E que os países desenvolvidos são os principais responsáveis pelas emissões de gases com efeitos de estufa (GEE) desde o início da Revolução Industrial e que isso tem um preço. A conta, dizem muitas vozes, será menor que o valor gasto para salvar o sistema financeiro internacional e, sobretudo, mais barata do que não fazer nada.

Esta contabilidade e os esforços de descarbonização da economia são necessários para que o aumento da temperatura global não ultrapasse os 2º C e o pico de emissões não ocorra depois de 2015, como defende o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). Este era o objectivo mínimo de Copenhaga. As ONG acreditavam (e exigiam) a manutenção dos compromissos de Quioto a par de uma nova convenção resultante da acção de cooperação de longo prazo.

Aliás, estas eram as duas vias das negociações decorriam nos últimos meses. De um lado, um grupo estudava as hipóteses de novos cortes nas emissões das nações desenvolvidas com base no Protocolo de Quioto, até agora o único documento com compromissos com valor legal. Do outro, estudava-se o financiamento a longo prazo para ajudar os países mais pobres a desenvolverem-se “de forma limpa" e a protegerem-se dos impactos das mudanças climáticas.

Destes grupos e da via negocial directa entre líderes políticos deveria sair um acordo final vinculativo, esperava o Mundo. Mas não saiu. A Cimeira culminou numa caótica maratona negocial de 48 horas de negociações já com a presença só de cerca de 120 chefes de Estado e de Governo.

No último dia, enquanto as poucas ONG ainda autorizadas no recinto discursavam com tempo limitado a dois minutos, o “segmento de alto nível” desdobrava-se em reuniões paralelas. Os Presidentes Obama, Lula, Hu Jintao, Sarkozy e a chanceler Merkel e outros, numa roda-viva de quase 10 horas que terminou com um anúncio prematuro pela voz do norte-americano: temos acordo, anunciou.

Enganou-se Obama e enganou-se a União Europeia, que também deu uma conferência de imprensa já de madrugada. Quem acompanhou os trabalhos através da Internet pôde aperceber-se do caos que marcou a derradeira etapa da COP15. O anúncio de Obama caiu mal junto de muitos delegados, obrigados a esperar sem notícias até às três da manhã.

Foi a essa hora que um visivelmente cansado primeiro-ministro dinamarquês retomou os trabalhos da COP15. Perante uma plateia de delegados de 192 países já cansados, frustrados e alguns mesmo irritados, Lars Rasmussen apresentou resumidamente um “Acordo de Copenhaga” de duas páginas, elaborado por cerca de 30 “líderes representativos” das várias regiões do mundo e propôs uma hora para a sua análise.

Mas pelo menos meia dúzia de países não concordaram com esta abordagem e deixaram claro que não haveria consenso. Tuvalu, Venezuela, Bolívia, entre outros, acusaram o presidente da COP de falta de respeito pelas regras da Convenção e das próprias Nações Unidas. Alegaram que o documento dos líderes fazia tábua rasa dos dois anos de negociações e deixava de fora metas fundamentais.

Ou seja, a COP15 também falhou porque o acordo cozinhado por um punhado de líderes não respeitou as regras nem o trabalho que os técnicos estavam a desenvolver desde a Cimeira de Bali (2007). E porque o primeiro-ministro dinamarquês não esteve à altura da tarefa. Aliás, a forma atabalhoada como conduziu os trabalhos valeu-lhe ser substituído após mais uma longa pausa às sete da manhã. Foi uma boa substituição mas nem o tempo perdido nem os erros acumulados puderam salvar a reunião.

Mas não fosse Ed Miliband, o secretário britânico para as Alterações Climáticas, nem sequer teria havido este acordo. Salvou a madrugada ao propor um ponto de ordem imediatamente depois de Rasmussen ter concluído pela segunda ou terceira vez que não havia consenso e que por isso era impossível aceitar o documento. A solução anunciada de manhã não vale de muito, mas impede que o trabalho dos líderes seja desperdiçado. “A COP toma nota do Acordo de Copenhaga”, repetiu pelo menos três vezes o presidente dos trabalhos.

No rescaldo, ficam duas ideias: faltou maior empenho da UE, que perdeu o papel de liderança que já teve; e que a batalha contra as alterações climáticas não se vence por convenção ou decreto, mas com o envolvimento de cada um de nós. Só assim se evitará que a campanha das ONG afixada no aeroporto de Copenhaga acabe por revelar-se premonitória. Nos cartazes viam-se fotomontagens de Obama, Brown e Lula, entre outros, envelhecidos no ano 2020, a pedir desculpa pelo falhanço da COP15. Pelos vistos, apesar dos apelos que fizeram a menos discursos e mais acção, não lhes podemos confiar este desafio global. Copenhaga é nossa e começa agora!

Luís Galrão
*Texto publicado no jornal 'Quercus Ambiente' n.º 39 de Janeiro/Fevereiro de 2010.

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